Operação Hurricane
Leia a decisão do ministro Cezar Peluso
Inquérito 2.424-4 Rio de Janeiro
Relator: Min. Cezar Peluso
Autor(as)(es): Ministério Público Federal
Decisão: Aprecio todos os requerimentos constantes de fls. 2629-2813, muitos dos quais têm alcance comum que, por conseguinte, serão objeto de uma só decisão a respeito.
1. Como é de jurisprudência assentada desta Corte, têm os suspeitos ou indiciados direito de acesso, por meio dos advogados constituídos aos elementos de prova a seu respeito já colhido e documentados nos autos do inquérito, ainda quando este se processe em segredo de justiça, embora tal prerrogativa, radicada nas garantias inerentes ao due process of law, não subtraia à autoridade policial o dever de sigilo a respeito de diligências e outras iniciativas em curso ou ainda por realizar ou decidir na apuração dos fatos:
“ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5º, I, XIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76 Procedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte” (HC nº 88.190, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 06.10.2006). No mesmo sentido, cf., ainda, HC nº 82.059-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 30.06.2005; HC nº 88.520-MC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 25.04.2006; HC nº 90.232, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 02.03.2007; HC nº 87.827, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 23.06.2006; e, ainda, decisão monocrática proferida pelo min. NELSON JOBIM, no HC nº 87.619-MC, DJ de 01.02.2006.
Ante o exposto, defiro todos os pedidos de vista, unicamente para garantir aos peticionários, por intermédio de seus advogados regularmente constituídos, o direito de acesso, no que lhes diga respeito, aos autos inquéritos, na Secretaria. Observo e deixo claro, ainda, que este provimento assegura direito de acesso apenas às informações já formalmente documentadas nestes autos.
2. Deve ser livre e direta a comunicação entre acusado defensor.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil — Lei nº 8.906/94 – dispõe, no art. 7º, inciso III, que é direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares ainda que considerados incomunicáveis”.
Em razão do direito à defesa técnica, que deve ter o exercício assegurado desde o início da persecução penal e durante todo o procedimento conforme o art. 5º, incs. LV e LXIII, da Constituição da República, o preso teria direito de consultar advogado, até antes do interrogatório.
Estabelece o art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal, que “antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor”. É o que convém ao Inquérito policial conforme se infere à regra contida no art. 6º, inc. V, do mesmo Código.
Assim, deve garantir-se que a comunicação entre suspeito ou indiciado e defensor se dê de forma livre e privativa, sem a presença de qualquer funcionário do Estado:
“a prisão, ou mesmo a incomunicabilidade, do cliente não podem prejudicar a atividade do profissional. A tutela do sigilo envolve o direito do advogado em comunicar-se pessoal e reservadamente com o cliente preso, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais” (LOBO, Paulo, Luiz Netto, Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2. ed. Brasília: livraria e Editora Brasília Jurídica, Conselho Federal da OAB, 1996, p. 57).
É o que, ainda antes da atual Constituição da República e sob a vigência do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil — Lei nº 4.215/63, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido:
“Prerrogativas do advogado. 1) O acesso do advogado ao preso e consubstancial a defesa ampla garantida na Constituição, não podendo sofrer restrição outra que aquela imposta, razoavelmente, por disposição expressa de lei. 2) A ação penal instaurada contra advogado, por fatos relacionados com o exercício do direito de livre ingresso nos presídios. Falta de justa causa reconhecida. Recurso de habeas corpus provido” (RHC nº 51.778, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, DJ de 05.04.1974).
Assim, oficie-se a autoridade policial para que garanta o contato pessoal, direto e reservado entre os presos e seus patronos.
3. Oficie-se também à autoridade policial, para que, nos termos da jurisprudência da Corte, que tem reconhecido aos advogados e, não menos, aos magistrados, o direito de serem recolhidos em prisão especial ou sala de Estado-Maior, assim considerado local com instalações e comodidades condignas, nos termos do art. 7º V, da Lei nº 8.906, de 4 de setembro de 1994, mas independentemente de tal reconhecimento pela OAB (cf. ADI nº 1.127, Rel, p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 17.05.2006), e art. 33, III, da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 — LOMAN (cf. HC nº 81.632, Rel, p/ac. Min. MAURÍCIO CORREA, DJ 21.03.03; HC nº 88.702, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 24.11.2006; HC nº 84.490-MC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, etc), para que informe, até com fotografias, se seja o caso, as condições dos locais em que se encontram recolhidos os magistrados e os advogados.
4. Oficie-se, ainda, à autoridade policial, para que informe, com urgência, o estado de saúde dos requerentes José Eduardo Carreira Alvim e Silvério Luiz Nery Cabral Junior, à vista da petição de fls. 2711-2714, que resume e de certo modo retifica requerimento anteriores, e cuja cópia deverá acompanhar o ofício.
5. Comunique-se ao Exmo. Min. Corregedor Nacional de Justiça, em resposta ao ofício de fls. 2642, que, se e quando o repute necessário ou conveniente, esta Corte encaminhará cópia deste procedimento sigiloso ao órgão ou órgãos competentes.
6. Acabo de receber, agora (18h52), três petições, cuja juntada determino. Duas, concernente a requerimento de vista e de revogação de prisão, já são objeto de decisão que lhes aproveita.
Quanto ao requerimento Antônio Petrus Kalil, determino se oficial à autoridade, com cópia integral da petição e documentos que a acompanha para que submeta incontinenti o requerente a avaliação médica e, sendo o caso-lhe promova imediata internação no Hospital das Forças Armadas, com cautelas de praxe e medida autorização prévia da respectiva autoridade.
7. Sobre os demais requerimentos (relaxamento das prisões, etc.), dê-se urgente vista ao Procurador Geral da República.
Int.
Brasília, 16 de abril de 2007.
Ministro Cezar Peluso
Relator
Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2007